Em minha prática clínica como gastroenterologista, uma das perguntas mais frequentes que recebo dos meus pacientes é se a gastrite pode virar câncer.

Esta preocupação é legítima e merece esclarecimentos baseados em evidências científicas.

Embora nem toda gastrite evolua para malignidade, alguns tipos específicos, particularmente a gastrite crônica atrófica e aquelas causadas pela bactéria Helicobacter pylori, apresentam risco aumentado de progressão para câncer gástrico.

Considerando que é um processo que pode levar anos ou décadas para se desenvolver, o diagnóstico precoce faz total diferença.

A Realidade dos Números: Gastrite e Câncer no Brasil

Em minha experiência de anos atendendo pacientes, observo que a ansiedade relacionada ao câncer de estômago é compreensível quando analisamos os dados epidemiológicos.

O Instituto Nacional de Câncer (INCA) estima que, para cada ano do triênio 2023/2025, sejam diagnosticados no Brasil 21.480 novos casos de câncer de estômago, sendo 13.340 em homens e 8.140 em mulheres.

Estes números representam o quarto tipo de câncer mais incidente entre os homens e o sexto entre as mulheres no país.

O que mais me preocupa na prática clínica é que anualmente temos mais de 20 mil casos de câncer no estômago no Brasil, e infelizmente, mais de 50% são diagnosticados em situação que já não têm chances de cura.

Esta realidade reforça a importância do diagnóstico precoce e do acompanhamento adequado dos pacientes com gastrite.

Quando a Gastrite Pode Virar Câncer: Os Tipos de Risco

A resposta à pergunta “gastrite pode virar câncer” é complexa e depende fundamentalmente do tipo de gastrite apresentado pelo paciente.

Gastrite Crônica Atrófica: O Principal Vilão

A gastrite crônica atrófica representa o maior risco, sendo caracterizada por uma alteração no revestimento interno do estômago, a mucosa gástrica, que pode ser causada pela bactéria Helicobacter pylori.

Essa inflamação provoca atrofia da mucosa e uma alteração pré-maligna chamada metaplasia epitelial, que pode evoluir para displasia e, posteriormente, para o câncer.

O Papel da Helicobacter pylori

Uma descoberta que revolucionou meu entendimento sobre gastrite foi o papel central da Helicobacter pylori.

Esta bactéria está presente em praticamente metade da população mundial, frequentemente sem manifestar sintomas.

Contudo, quando associada à metaplasia intestinal gástrica extensa, representa um fator de risco significativo para o desenvolvimento de câncer gástrico.

Em minha experiência clínica, quando identifico a presença da H. pylori no estômago de um paciente, recomendo imediatamente o tratamento com antibióticos específicos para eliminar a bactéria e interromper a inflamação que pode levar ao câncer.

É importante ressaltar que apenas uma parcela muito pequena das pessoas portadoras de H. pylori desenvolverá câncer no estômago.

A Cascata de Correa: Como Acontece a Transformação

A cascata de Pelayo-Correa é o quadro em que a gastrite crônica pode evoluir sequencialmente: gastrite crônica → atrofia gástrica → metaplasia intestinal → displasia → carcinoma gástrico.

Este processo evolutivo pode levar anos ou décadas para se desenvolver, o que nos oferece janelas importantes para intervenção preventiva.

Fatores de Risco Além da Gastrite

Sempre oriento meus pacientes sobre outros fatores que aumentam o risco de câncer gástrico.

Além da gastrite crônica atrófica e da infecção por H. pylori, outros fatores incluem:

  • Tabagismo, que pode resultar em resposta pior ao tratamento.
  • Pólipos gástricos.
  • Fatores genéticos.
  • Dieta.

Prevenção e Monitoramento

A prevenção é fundamental: para pacientes com gastrite atrófica ou metaplasia intestinal, implemento protocolos de vigilância endoscópica.

Pacientes classificados nos estágios III e IV do sistema OLGA/OLGIM apresentam probabilidade particularmente maior de desenvolver neoplasia maligna.

Em casos de gastrite atrófica leve a moderada restrita ao antro, geralmente não recomendo vigilância específica.

Contudo, nos estágios avançados de gastrite atrófica, oriento acompanhamento a cada 1-2 anos se houver história familiar de câncer gástrico positiva, e a cada 3 anos se negativa.

Sinais de Alerta

Determinados sinais merecem atenção especial em pacientes com gastrite:

  1. Saciedade precoce.
  2. Perda de peso inexplicada.
  3. Fadiga constante.
  4. Vômitos.
  5. Presença de sangue nas fezes.

A idade também é um fator importante: o câncer de estômago afeta principalmente pessoas mais velhas, com idade média de 68 anos ao diagnóstico.

A Importância do Diagnóstico Precoce

Um aspecto que sempre enfatizo aos meus pacientes é que quando o câncer de estômago é descoberto precocemente, tem alta taxa de cura.

Se realizamos cirurgia com intenção curativa, curamos mais da metade dos casos, mas para isso é preciso detectar a doença no início.

Conclusão

Baseado em minha experiência clínica e nas evidências científicas atuais, posso afirmar que gastrite pode virar câncer, especialmente nos casos de gastrite crônica atrófica e infecção por H. pylori.

Contudo, esse processo não é inevitável e pode ser prevenido através de diagnóstico precoce, tratamento adequado da infecção por H. pylori e monitoramento regular.

O mais importante é que os pacientes compreendam que nem toda gastrite evolui para câncer. A gastrite comum do dia a dia, frequentemente relacionada ao estresse e dieta inadequada, raramente leva a alterações malignas.

O acompanhamento médico regular e a adesão ao tratamento são as melhores ferramentas que temos para prevenir essa evolução.

Está preocupado com sintomas de gastrite ou tem histórico familiar de câncer gástrico? Não deixe para depois.

Agende sua consulta comigo e vamos juntos cuidar da sua saúde digestiva com o acompanhamento especializado que você merece!

Dr. Thiago Tredicci, Gastroenterologista e Cirurgião do Aparelho Digestivo. Experiente em cirurgia geral. CRM GO 12828, RQE 8168 e 8626.