Em minha prática clínica como especialista em gastroenterologia, atendo pacientes que apresentam diversas condições abdominais.

Um dos quadros que mais requer atenção é o câncer de peritônio, problema complexo capaz de afetar profundamente a qualidade de vida das pessoas.

O peritônio é uma membrana que reveste a cavidade abdominal e os órgãos ali localizados, desempenhando funções de proteção e sustentação.

Quando células malignas se instalam nessa camada, torna-se essencial entender fatores de risco, sinais de alerta e métodos de tratamento, é justamente sobre que abordaremos neste conteúdo.

Compreendendo o câncer de peritônio

Tenho observado um número crescente de pacientes com câncer de peritônio, uma condição ainda pouco conhecida pelo público geral, mas de extrema relevância clínica.

O peritônio, maior membrana do corpo humano, reveste toda a parte interna do abdômen e seus órgãos, funcionando como barreira protetora contra infecções e facilitando o deslizamento entre os órgãos abdominais.

O câncer peritoneal é classificado em dois tipos principais: primário, quando se origina no próprio peritônio, e secundário ou metastático, quando células cancerígenas de outros órgãos migram para esta membrana. 

Este último representa mais de 90% dos casos, geralmente oriundos de tumores colorretais, ovarianos, gástricos ou pancreáticos.

Estadiamento e estratificação prognóstica

O câncer peritoneal pode ser dividido em quatro estágios, determinantes para as decisões terapêuticas:

  1. Estágio 1: células cancerígenas presentes apenas na camada superficial do peritônio;
  2. Estágio 2: invasão dos órgãos adjacentes;
  3. Estágio 3: disseminação além da cavidade abdominal;
  4. Estágio 4: metástases distantes.

Este estadiamento é fundamental para orientar o prognóstico que comunico aos meus pacientes e suas famílias, bem como para definir a estratégia terapêutica mais adequada.

Principais sintomas

Um dos maiores desafios que enfrento é o diagnóstico tardio, já que os sintomas iniciais costumam ser inespecíficos.

As queixas mais comuns são:

  • Desconforto abdominal persistente;
  • Distensão abdominal progressiva;
  • Náuseas recorrentes;
  • Alterações do hábito intestinal;
  • Perda de peso inexplicada.

Já em estágios mais avançados, os sintomas frequentemente presentes incluem:

  • Ascite (acúmulo de líquido na cavidade abdominal) resistente aos tratamentos convencionais;
  • Sensação de plenitude mesmo após pequenas refeições;
  • Dispneia devido à compressão diafragmática.

Diagnóstico

O diagnóstico costuma envolver exames de imagem detalhados, como tomografia computadorizada e ressonância magnética, que identificam quaisquer espessamentos ou nódulos na camada peritoneal.

A análise citológica do líquido ascítico tem se mostrado uma ferramenta diagnóstica valiosa, porém, o diagnóstico definitivo geralmente requer análise histopatológica obtida por laparoscopia ou laparotomia.

Opções de tratamento

Os protocolos de tratamento do câncer de peritônio dependem do estágio da doença e das condições gerais do paciente. Cirurgia, quimioterapia e, em determinados casos, radioterapia podem ser empregados.

Ao longo dos anos, notei avanços significativos no uso de terapias intraperitoneais, método em que a quimioterapia é administrada diretamente na cavidade abdominal.

Essa estratégia auxilia no combate local às células cancerígenas e reduz efeitos colaterais sistêmicos, embora cada pessoa reaja de forma diferente.

Cirurgia

A cirurgia busca remover o máximo possível de tecido afetado, incluindo partes comprometidas do peritônio ou de órgãos adjacentes.

Em alguns cenários, a peritonectomia pode ser indicada, que consiste na remoção de áreas extensas da membrana com tumor.

Esse procedimento é complexo, exigindo equipe multidisciplinar e infraestrutura hospitalar adequada.

Quimioterapia

A quimioterapia sistêmica, por via endovenosa, ainda representa uma ferramenta indispensável em muitos casos.

Em determinadas situações, a quimioterapia intraperitoneal hipertérmica (HIPEC) surge como alternativa promissora.

Essa abordagem envolve a infusão de quimioterápicos aquecidos no interior da cavidade abdominal, o que pode potencializar a destruição das células malignas.

Cuidados pós-tratamento

A recuperação física varia. Alguns pacientes respondem de modo favorável aos tratamentos e retornam às suas atividades cotidianas, enquanto outros precisam de acompanhamento mais constante.

Reforço a importância de check-ups regulares, pois a vigilância oncológica consegue detectar eventual recidiva.

A alimentação equilibrada, a prática de exercícios físicos moderados e o cuidado com o bem-estar mental também colaboram na superação dos efeitos colaterais.

Prognóstico

O prognóstico depende de fatores como agressividade do tumor, extensão do acometimento e resposta às terapias.

O suporte de uma equipe multidisciplinar, que pode envolver nutricionistas, psicólogos e fisioterapeutas, proporciona maior conforto e melhores condições de enfrentamento.

Abordagens inovadoras

A evolução da medicina traz opções como terapia alvo e imunoterapia.

  • Terapia alvo: o uso de medicamentos que bloqueiam vias específicas de crescimento celular pode retardar a progressão da doença e minimizar complicações.
  • Imunoterapia: estimula o sistema imunológico a atacar as células doentes, tem apresentado resultados relevantes em pesquisas recentes.

A adoção de novas tecnologias complementa os métodos tradicionais.

Exames moleculares, por exemplo, ajudam a mapear mutações genéticas, permitindo que tratamentos sejam ajustados segundo as características de cada caso.

Essa abordagem personalizada aumenta as chances de sucesso ao direcionar esforços contra pontos-chave do desenvolvimento tumoral.

Suporte emocional e bem-estar

Em meu atendimento, percebo o impacto psicológico do câncer de peritônio. É comum que pacientes manifestem insegurança, ansiedade e, por vezes, desalento.

O auxílio profissional, seja por meio de terapia individual ou grupos de apoio, promove conforto e motivação.

Acolher as emoções e dialogar sobre medos e dúvidas fortalece a confiança nos tratamentos e estimula a cooperação ativa no processo terapêutico.

Muitas vezes, uma pessoa querida ou um familiar passa a desempenhar papel de cuidador, que pode ser desafiador.

Por isso, a recomendação é buscar orientação para lidar com as demandas físicas, emocionais e até financeiras.

A troca de experiências em redes de apoio confere a sensação de não estar sozinho, aspecto que impacta positivamente a qualidade de vida.

Orientações para o dia a dia

Para quem enfrenta esse diagnóstico, é essencial manter o diálogo aberto com o especialista e seguir as recomendações médicas de maneira rigorosa.

Veja algumas dicas que podem ajudar:

  • Atividades físicas leves, quando autorizadas, geram impactos benéficos na disposição e na saúde geral;
  • Uma rotina com descanso adequado e alimentação nutritiva beneficia o corpo no processo de recuperação;
  • Acompanhamentos regulares, exames programados e comunicação clara sobre qualquer sintoma diferente ajudam a equipe de saúde a detectar complicações em fase inicial.

Aproveito para enfatizar a relevância de suporte familiar e amizades, já que uma rede de pessoas solidárias favorece a adesão ao tratamento.

Conclusão

O câncer de peritônio demanda atenção médica desde o primeiro alerta de sintomas. Cada organismo possui características próprias e reage de maneira singular aos procedimentos.

A vivência no consultório mostra que a busca por informação confiável e o contato constante com profissionais habilitados ampliam a possibilidade de sucesso.

Caso exista suspeita ou diagnóstico confirmado, procure orientação especializada e mantenha o foco no cuidado integral, unindo recursos clínicos e apoio emocional.

Imagens: Créditos Freepik

Dr. Thiago Tredicci, Gastroenterologista e Cirurgião do Aparelho Digestivo. Experiente em cirurgia geral. CRM GO 12828, RQE 8168 e 8626.